terça-feira, 24 de agosto de 2010

Tarde de primavera

Era uma tarde de primavera, como muitas outras. Já estava farta de ficar em casa, entediada, na frente do computador, ainda mais que era na época de chuva, não podia nem se sair de casa. Sai até a varanda, e comecei a observar a estrada que começava a desbarrancar. Lembro que minha família e eu fomos até o mercado, comprar alguns alimentos, caso não desse de sair da rua depois, para não ficarmos sem ter o que comer. Lembro também que quando voltávamos, meus vizinhos estavam saindo, um até berrou pela janela do carro:
Nelson: É melhor vocês saírem também, antes que a estrada fique toda bloqueada e não tenha mais como sair.
E a gente, sempre muito atenciosos, achamos bobagem e nem saímos, voltamos para casa tranquilos, guardamos as compras e eu voltei para o computador.
Então, por volta das 18:30, bate alguém na porta, mas batia tão forte, que parecia estar desesperado. Eu atendi, era meu pai.
Pai: Vamos ! vamos sair daqui !!! Este morro já era, tá caindo tudo !! vamooooooooooos !!!
A gente nem teve tempo de pensar em alguma coisa, só pegamos algumas roupas e descemos correndo. Naquele momento, já estávamos chorando, não físicamente, mas espiritualmente falando.
Corremos para o carro do meu vizinho, e fomos todos para a casa da minha irmã. Chegando lá, não conseguiamos pensar em nada, parecia que estávamos de luto, era um silêncio absoluto.
Os dias passaram, e a gente ainda estava lá, sem casa. Mas, parecia que a gente nunca tinha sido tão feliz, pois a família toda estava junta, se divertiam junta, ia todo mundo dormir tarde juntos, era uma festa.
Não parecia que tínhamos saido de casa correndo, parecia que estávamos lá só de férias, só pra se distrair, pra se divertir. Então, foram chegando as doações, e isso, por mais ruim que possa parecer, me fazia bem. Se reuníamos ao redor de sacolas e caixas, abríamos uma a uma, era uma festa. Separávamos pertences um a um, todo mundo ganhava, todo mundo ria junto na hora da escolha, na hora das provas, na hora de guardar de novo, mas sabendo que ali, você estava começando tudo outra vez. Passaram-se semanas, e a gente lá, sem resposta nenhuma sobre a rua, o que realmente teria acontecido com ela.
Enquanto isso, nós saímos todas as tardes, se divertíamos todos juntos, de noite, assistíamos filmes todos juntos, encomendávamos pizzas, sim, parecia férias.
Até que então começamos a procurar uma casa pra alugar, além do mais, não podíamos viver as custas da minha irmã para sempre. Então foi o que fizemos, encontramos uma casa vaga, com um preço razoável, e fomos todos morar lá. Lá também, para mim ao menos, parecia mais uma colônia de férias, a virada do ano foi um espetáculo, colocamos a mesa no quintal, a televisão, e ficamos ali fora até tarde, vendo os fógos que soltavam pela cidade. Lembro que quando deu meia-noite eu subi correndo para a lage, para ver aqueles lindos fógos brilhando no céu, e eu juro até hoje, que eu nunca tinha me sentido tão bem em toda a minha vida, quanto naquela noite, que já era dia O1/O1/2OO9. Eu nunca tinha parado pra pensar o quanto me faz bem estar ali, perto de toda a minha família, festejando algo novo, criando novas esperanças ... Mas uma coisa eu afirmo, eu acho que eu era a única de todos que não queria que liberassem a antiga rua para voltármos para lá. Confesso que sentia muita saudade, cheguei a chorar por isso, teve momentos de desânimo, admito, mas com toda a sinceridade do mundo eu sempre vou afirmar, eu NUNCA me sentia tão feliz assim a tempo. E o tempo passou, e passou, já tínhamos todos os móveis novamente, roupas, tínhamos conquistado tudo de novo, estávamos no começo, mas já tínhamos reconstruído muitas coisas. Foi então, que chegou fevereiro, e chegou também, a notícia de que o morro havia sido liberado. No momento até fiquei assim, meio que feliz, mas quando voltei pra lá, juro que chorei, pois os melhores momentos de toda a minha vida teriam acabado. As madrugadas na casa da minha irmã, a virada de ano, os passeios de noite pelo centro, a bagunça na sala que todo mundo fazia para ver televisão, as pesquisas por outras casas, as doações... Naquele momento eu percebi, que nunca tinha me sentido tão triste, tão mal, tão desanimada... E hoje, ainda estou aqui nesse morro, lamentando com a saudade, tudo que ela me faz sentir sempre, sem dar trégua, lamento não ter aproveitado mais, lamento pelo morro realmente não ter caído, lamento por não ter passeado o suficiente, lamento por não conseguir ver o que tem de bom aqui, lamento, por ter certeza que nunca mais, esses momentos irão voltar para mim...

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